Uma tradução do passado nunca é literal, porque o tradutor, seja ele um depoente, uma testemunha ou um historiador, sempre acrescenta ao objeto retratado o traço de sua subjetividade.
Mesmo hoje, com o registro eletrônico quase simultâneo ao acontecimento, há uma intervenção do olhar, por intermédio do técnico, do fotógrafo, do repórter, do artista ou de qualquer amador num celular, que registra, a seu modo, os acontecimentos.
É da natureza da vida e da narrativa perder-se no desdobramento do instante.
Contudo, ainda que subjetivo, objetivo, científico, histórico, sociológico ou antropológico, só a Memória, avaliação crítica do registro, ainda que impura, consegue juntar os cacos, sem ser arqueologia, e reproduzir na ânfora, sem ser arte, os pálidos reflexos do conteúdo de uma época, de uma obra, de uma instituição ou de uma vida.
" Heródoto, grego, considerado o pai da Historia, nascido pelos anos 485 AC, em Halicarnasso, na atual Turquia Oriental, sempre afirmava em seus escritos: - conforme narrativa de..., segundo relato de ciclano. Assim, em cada relato de Heródoto, há uma versão de Heródoto baseada na versão do fato narrado por alguém a Heródoto. Nem sempre esse terceiro no qual se baseava Heródoto fora o testemunho visual do fato narrado, mas alguém que passava adiante uma historia já contada. É verdade que os antigos, por falta de melhores meios eletrônicos, de impressoras, câmeras, gravadores e celulares, precisam ter e tinham uma memoria surpreendente. Heródoto foi um verdadeiro Centro de Memória Histórica. Relatava tudo, em toda a geografia conhecida do seu tempo, com a clareza de um bom repórter. Pouco se envolvia emocionalmente. Narrava a decisão de XERXES de mandar degolar um auxiliar importante e todos os seus filhos, com a tranquilidade com que solicitava um prato de comida a um de seus servidores."
Com todas essas insuficiências e peculiaridades, o trato qualificado da Memoria, se não revela o exato, nos transmite o necessário. E necessário é compreender o significado. Cada instituição, cada ação e cada pessoa, constituem significados que, editados, compõem a Memória e organizados nos suportes adequados constituem os Centros de Memoria ou Banco de Dados quando organizados na plataforma digital.
Claro que a narrativa e seleção da Memoria implica na avaliação de alguns elementos constitutivos:
- o tempo, período a que a narrativa se refere;
- a instituição que se interessa investigar, seja ela pública, privada, - politica, cultural, religiosa ou laica;
- e as pessoas envolvidas, em todas as hierarquias sociais e culturais a que pertençam.
Todos esses elementos (tempo, instituição e pessoas) possibilitam a criação de um Sistema de Memoria (empresarial ou de qualquer outra natureza institucional), armazenável física ou eletronicamente, disponibilizáveis a públicos internos e externos que deles necessitem.
Qual a sua utilidade?
A brevidade do presente e as imprevisibilidades do futuro exigem que as decisões de caráter pessoal ou empresarial, para terem um valor estratégico e mesmo tático, se pautem numa avaliação da memória.
Repetir erros passados ou não avaliar os acertos constitui um grande desperdício de ativos intelectuais, pessoais e financeiros no desempenho e na produtividade de uma instituição com ou sem fins lucrativos.
Memória não é fruição artística de administradores, mas constitui utensílio de trabalho para a obtenção de resultados.
No plano histórico, mesmo para o êxito de ações não diretamente ligadas à produção, como uma guerra ou uma eleição, a reconstituição da Memória torna-se uma arma indispensável a qualquer plano estratégico.
Refiro-me, contudo, à Memoria como uma avalição crítica de documentação organizada específica e não no sentido mais genérico de Historia, narrativa documentada de acontecimentos passados relevantes.
O pragmatismo exagerado de alguns empresários, assim como o desconhecimento da cultura empresarial, podem ser mais nocivos às empresas do que crises conjunturais da economia ou de mercado.
Empresas estão sempre mais preparadas para enfrentar crises externas, planos de governo, do que vícios internos e falta de compreensão do DNA da instituição.
A maioria das empresas brasileiras superou nas últimas décadas todas as consequências positivas ou negativas do Plano Cruzado, do Plano Bresser, do Plano Collor, do Plano Real, mas algumas, dificilmente superaram as crises familiares de gestão ou o advento de novos paradigmas de produção, de caráter monopolístico ou tecnológico.
O conhecimento do passado não produz profecias empresariais, mas ajuda a compreender melhor o futuro e assim, atravessar as dificuldades, com planejamento preventivo. Sem retrovisor ninguém dirige bem numa rodovia de alta velocidade, ainda que o indispensável seja a qualidade do veículo e do seu condutor.
Instituições Culturais, Memoria e novos paradigmas tecnológicos
No plano das instituições culturais a Memoria torna-se, não apenas necessária, como indispensável. O Ocidente é um feito da Memória. Não fossem as imprecisões de Heródoto não teríamos as certezas que temos sobre a formação do ocidente culto.
A organização primitiva da Memoria, da literatura e da própria historia, foi de natureza oral. Toda a Ilíada, poesia inaugural da literatura grega, foi transmitida em dialeto jônico. Somente quando a Fenícia emprestou aos gregos seu alfabeto, os Cantos de Homero ou compilados por Homero, foram transformados nos textos da Ilíada e da Odisseia, que deram origem à linguagem dos gregos e à poesia do Ocidente.
Não importa discutir se a poesia grega era de inspiração ou de construção, se produzida pelos impulsos divinos ou pela retórica, mas tanto ela, como o teatro grego, e a filosofia, devidamente arquivados pela historia e armazenados pela Memoria, marcaram toda a produção literária do Império Romano, que a Idade Media fez o favor de guardar a sete chaves em suas bibliotecas conventuais, até que Gutemberg, com sua impressora, inaugurou o mundo moderno, completamente apoiado nos valores clássicos da Memória.
De lá para cá, a produção cultural alastrou-se tornando-se universal, séculos antes da globalização (conceito mais econômico do que cultural).
A divulgação do conhecimento transferiu-se dos púlpitos para as cátedras, dos conventos para as bibliotecas, e dos livros isolados para as Enciclopédias.
A imprensa escrita, por sua vez, vulgarizou o conhecimento dos fatos, que durante alguns séculos ficou restrito ao circuito diplomático. Até a Revolução Francesa, os fatos pertenciam à politica. O protagonismo das decisões só pertencia ao poder.
Imprensa e revolução confundem-se num só quesito da cultura da comunicação.
A comunicação eletrônica de massa, consagrada pela televisão, após uma hegemonia da radio difusão no começo do século passado, só mudou completamente o paradigma com o advento da informática e seu produto, ainda mais relevante do que a impressora de Gutemberg, a INTERNET.
Assim, à primeira vista, poderia parecer que a Memoria tornou-se inútil, quando o conhecimento tecnológico e enciclopédico, dos púlpitos e das cátedras, do mundo e do submundo, do publico e do privado, das artes e das ciências, da fé e da contra fé, da elite e do povo, da sociedade e dos anarquistas, do estado e do mercado, do sim, do não e do talvez, estão, teoricamente à disposição em qualquer aplicativo de um celular de médio porte.
Muito pelo contrario, um Sistema de Memoria ou, mais tecnicamente, um Sistema de Memoria Digital, pelo seu caráter de organização avaliada dos conteúdos específicos, tornou-se indispensável.
A quantidade de informação disponível tumultua a compreensão da informação necessária.
Qualquer grande acontecimento se transformou num espetáculo de comunicação de massa, seja no plano existencial, político, econômico ou cultural. Até a Historia pode nos transmitir um acontecimento incompreensível. Um Sistema de Memoria, contudo, só deve produzir conhecimento compreensível, configurado num tempo e numa dimensão de interesse específico.
O conceito de Memoria Empresarial não difere muito do conceito filosófico de jornalismo público, com a única diferença de que esse último é genérico enquanto a Memoria é específica, composta para o uso de uma instituição e de seus usuários. O jornalismo produz a Memoria atual enquanto o SME (Sistema de Memoria Empresarial) produz a Memoria remota. A linha do tempo de um jornal tem 24 hs. A linha do tempo do SME tem a idade da empresa.
O SME é um aplicativo institucional de autoconhecimento e autoestima disponibilizado on line ou na intranet, conforme as necessidades de comunicação da instituição ou empresa a que se destina.
Diversas empresas brasileiras já dispõem de Centros de Memoria, arquivos armazenados e devidamente catalogados, colocados em ambiente de fácil acesso para manuseio e consulta de interessados.
Poucas empresas já possuem SME ou Bancos de Dados Digitais, com suas memorias organizadas em plataformas digitais.
A CPFL, uma das mais importantes empresas do setor energético, na comemoração dos 100 anos, elaborou um projeto de Memoria Viva 100 Anos, que incluiu a criação de um Sistema de Memoria Empresarial veiculado no site CPFL - MEMORIA VIVA 100 ANOS.
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